MEDITAÇÃO
E VIDA ESPIRITUAL
Swami
Yatiswarananda 1
Renúncia
e Desapego
(Capítulo 10
do livro Meditation and Spiritual Life; Páginas 120 a 125)
A
necessidade da renúncia
É realmente muito estranho que as pessoas sofram
tanto e ainda assim não despertem, mas se prendam a todos os tipos de falsas
identificações. O mundo inteiro está preso pelo desejo de riqueza e sexo. As
pessoas fazem disto a meta de suas vidas e ao final sofrem. Identificando-se com
nosso corpo e com os outros corpos nos prendemos em todos os tipos de
envolvimentos emocionais e criamos sofrimento sem fim. É claro que há muitas
pessoas que parecem gostar de tudo isto. Como na parábola de Sri Ramakrishna, o
camelo come arbustos espinhosos que sangram a sua boca, mas continua a comê-los
da mesma forma.2 Mas um aspirante espiritual não pode viver
desta forma. Ele fixou para si mesmo um ideal elevado e por isso não pode
perder-se em envolvimentos mundanos. Por isso começa a pensar profundamente
sobre renúncia e desapego.
A renúncia é o tema central da vida espiritual em
todas as religiões. Renúncia da riqueza e da cobiça, do sexo e da luxúria e
do egoísmo – esta tríplice renúncia é invariavelmente enfatizada em todas
as escrituras e por todos os homens verdadeiramente espirituais. Sem renúncia não
há vida espiritual. E renúncia não significa apenas a renúncia externa, mas
também a renúncia mental. Devemos renunciar a todo nosso apego ao nosso próprio
corpo e mente e aos dos outros, e tornar-nos verdadeiramente desapegados de
todos os modos. Não é suficiente se fizermos isto somente com relação a
certas coisas e pessoas, enquanto tentamos nos prender a outros ainda mais. É fácil
evitar certas coisas ou pessoas de quem não gostamos e chamar isto de renúncia.
A verdadeira renúncia é a mudança de atitude em relação a tudo.
Por que a renúncia é necessária? Por que devemos
praticar tanto o desapego? As práticas espirituais jamais poderão ser
executadas com sucesso sem abandonar as velhas associações com coisas e
pessoas que não auxiliam ao aspirante. Somente quando estivermos preparados
para renunciar nossos desejos e paixões e nosso apego aos outros, seja na afeição
ou na aversão, poderemos praticar a verdadeira religião com bons resultados e
poderá haver progresso. Nunca permita que sua mente o engane sobre este
ponto. A mente sempre tenta apresentar alguma razão plausível para que não
possamos renunciar esta ou aquela coisa, para que nós possamos estar na
companhia de tal ou qual pessoa, de que é nosso dever conversar com ele ou com
ela, etc. Nunca acredite em sua mente nestes casos. Ela sempre irá enganá-lo e
tornar-se o porta-voz de seus desejos conscientes ou inconscientes. Portanto não
precisamos apenas de japa, oração, meditação e outras práticas
espirituais, mas também de renúncia. De fato japa e meditação só são
efetivos na medida em que somos bem sucedidos em ter mais e mais da verdadeira
renúncia e desapego. Quando estes dois – práticas espirituais e renúncia
– são combinados, torna-se possível para nós controlar a mente e começar a
limpar todos seus cantos sujos onde permitimos que se acumulasse todo tipo de
imundície por eras e eras através de incontáveis nascimentos.
Demasiada
mundanalidade é como o fogo. Ela queima o coração. Torna uma pessoa insensível
aos valores espirituais. Uma pessoa mundana não pode apreciar a felicidade da
vida espiritual. A faculdade da intuição torna-se tão inerte em uma pessoa
mundana que não é mais sensível às vibrações mais elevadas. Ela não tem
nenhuma idéia das verdades espirituais e apenas continua se banhando na poça
suja de seus desejos e paixões.
Amor e apego
Coisas ou pessoas
a quem amamos, atraem nossas mentes e criam apego, raiva ou aversão. Amor e
aversão são apenas os dois lados da mesma moeda; nunca se engane sobre isto.
Portanto eles pertencem à mesma categoria. Raiva ou aversão é amor ou apego
voltado para baixo. Não é algo essencialmente diferente. Devemos eliminar
todas as formas de apego e todas as formas de medo nos tornando desapegados e
livres de gostos ou desgostos pessoais. Devemos ter simpatia sem ficar apegado.
Não deveria haver jamais qualquer demanda pessoal sobre alguém ou o amor de
alguém; nem deveríamos permitir que alguém tivesse qualquer exigência
pessoal sobre nós ou sobre nossa afeição.
Devemos amar a Deus apenas e
permitir que os outros fizessem o mesmo. Cristo diz, ‘Aquele que ama o pai ou
a mãe mais do que a mim não é digno de mim, e aquele que ama seu filho ou
filha mais do que a mim não é digno de mim’3, e não há nada mais verdadeiro do que isso. E também
é verdade que aquele que permitir que qualquer outra pessoa o ame mais do que
ao Divino, não é digno do Divino, e jamais atingirá o Divino, por mais que
possa tentar. Colhemos apenas o que semeamos e enquanto continuarmos a permitir
que todos estes gostos e desgostos nos prendam e aos outros com as correntes do
assim chamado amor, nos manteremos escravizados, trazendo sofrimento para nós
mesmos e para outros. O sofrimento
é a penalidade que pagamos por nossos apegos. Em alguns casos ele chega logo,
em outros demora; mas todos devem pagar por seus erros.
Quando as pessoas
nos amam, nos sentimos lisonjeados. Nós gostamos de atrair os outros, gostamos
de ser amados por outros como objetos de gozo. Mas somos geralmente muito
impulsivos e não pensamos que com isso criaremos apenas problemas para nós e
para os outros e impediremos nosso progresso espiritual. Devemos ter dignidade e
sermos cuidadosos. Devemos adotar uma atitude pela qual os outros não se
atreverão a se aproximar de nós do modo errado. Eu falo isto especialmente
para as senhoras. O conceito ocidental de cavalheirismo não tem lugar na vida
espiritual.
Devotos e
aspirantes espirituais são nossos queridos, pois somos todos ligados pela corda
comum do divino Amor que é permanente. O amor pelos irmãos espirituais é
muito mais intenso e benéfico que o amor mundano. Olhe para a relação que
existiu entre os discípulos de Cristo, entre os discípulos de Sri Ramakrishna.
Que amor terno, respeito mútuo e consideração existiram entre eles! Quando nós,
ainda jovens, entramos em contato com os grandes discípulos de Sri Ramakrishna,
também fomos profundamente atraídos pelo intenso, porém puro, e abnegado amor
que derramaram sobre nós. Somente um homem espiritual pode ter amor real pelos
outros. O assim chamado amor das pessoas mundanas é freqüentemente apenas
auto-interesse refinado.
As almas iluminadas amam a todas as pessoas da mesma forma sem se apegarem a
elas porque eles realizaram a verdade da famosa declaração do Upanishad:
Não é por causa do esposo que o esposo é amado,
Mas é por causa do Ser que o esposo é amado.
Mas é por causa
do Ser que a esposa é amada.
Não é por causa dos filhos que os filhos são amados,
Mas é por causa do Ser que os filhos são amados...
Não é por causa de tudo que tudo é amado,
Mas é por causa do Ser que tudo é amado.
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As vidas das
almas iluminadas nos ensinam que a renúncia e o desapego não significam
insensibilidade e indiferença. Insensibilidade não é desapego; não é nada
além de egoísmo, apego ao seu próprio ego. Tente ajudar aos outros tanto
quanto esteja em sua capacidade, tomando todas as precauções para se proteger
e evitar não ficar apegado a eles. Se você não puder fazer isto, reze a Deus
para o bem-estar deles. Se orar sincera e intensamente você verá a ajuda
chegando a aqueles que você quer ajudar. Mas lembre-se, se você quiser rezar
pelos outros, você deve sentir a si mesmo próximo a Deus. Se você não puder
impedir a si mesmo de ficar apegado aos outros, é melhor não ajudá-los. É
melhor se voltar para a oração. De fato todos os aspirantes sinceros devem
incluir este tipo de oração pelos outros em suas práticas espirituais diárias.
Durante o período
de transição da vida mundana para a vida espiritual, podemos sentir um pouco
de indiferença pelos outros por algum tempo. Para proteger-nos podemos até
cultivar uma atitude de indiferença, mas somente por um período curto. Se
prender-se ao ideal da realização de Deus e levar uma vida pura, você
descobrirá depois de algum tempo seu velho amor pelos outros retornar a você
de uma forma purificada e sublimada, no qual apenas o apego foi eliminado e
substituído por intenso amor por Deus. Então você ama aos outros por causa do
Divino e não por qualquer propósito egoísta. Só isto é o verdadeiro amor.
Devemos nos afastar de dois perigos: um é amar aos outros com amor humano e
falsamente chamá-lo de ‘divino’ e o outro é ser demasiadamente indiferente
até mesmo pelos sentimentos corretos e ser negligente com nossos deveres. Ambos
são prejudiciais ao crescimento espiritual.
Os verdadeiros parentes
Aqueles que vivem com parentes que são
mundanos deveriam viver como hóspedes em uma casa de hóspedes. Eles devem
abandonar a idéia de propriedade e ter a idéia de um administrador temporário.
Você não deve jamais ter nenhuma exigência emocional sobre eles. Eles não são
sua propriedade. Se você possuir algo, você dele possuí-lo como um
administrador temporário, não como um proprietário, e administrá-lo em nome
do Senhor.
Aprenda a
desenvolver a verdadeira perspectiva com relação a sua família. Liberte a
mente de todas as velhas associações conectadas com formas puramente humanas
de amor e aversão, conectadas com apego e sexo; somente então a verdadeira prática
espiritual se tornará possível. Tudo antes disto é apenas uma tentativa de prática
espiritual e nada mais. Quando menino eu era muito sentimental. Eu costumava me
apegar terrivelmente às pessoas após um dia ou dois de contato. Eu também me
extasiava por todo amor e afeição por mim de meus pais, parentes e amigos, e
costumava pensar muito neles. Ao final eu não pude suportar todos estes
sentimentos mais e firmemente disse a mim mesmo: ‘Isto tem que mudar’. Então
me voltei para o Impessoal mais e mais. Somente o pensamento do Supremo Espírito
que mora em todos os seres pode libertar-nos de nosso apego às pessoas. Você
deve pensar este pensamento tão intensamente até que ele se torne uma
realidade para você, algo que é vívido e permanente. Isto sustentará você
mesmo quando todos os seus pensamentos sobre as outras pessoas estourem como
bolhas mais cedo ou mais tarde.
A raiva é tão prejudicial quanto o apego
Vamos discutir a
questão da raiva. Por que ficamos com raiva? Somente por que alguém ou algo
está no caminho do que achamos ser o objeto de nosso gozo. Esta é a única razão
para toda a nossa raiva. Sempre descobrimos que a raiva está intimamente
conectada com um ego muito valorizado ou um forte senso de personalidade. Sem
este forte senso do ego e um excessivo desejo pelo gozo, físico e mental, a
raiva jamais poderia nem mesmo surgir em nossos corações. Portanto este ego,
este desejo pelo gozo, é a única causa de termos raiva. Se não desejarmos
nenhum gozo, se não esperarmos nada de ninguém, mas apenas dar e agir sem
nunca esperar qualquer recompensa, jamais poderá surgir qualquer raiva.
Portanto devemos ficar com raiva de nossa raiva, e não com outros. Devemos ter
uma raiva terrível de nossos desejos pelo gozo dos sentidos e não com os
objetos propriamente ditos. O único modo prático é sublimar a raiva e
finalmente eliminá-la. E sem eliminar a raiva e outros males associados, jamais
poderemos fazer qualquer progresso na vida espiritual. A luxúria e a raiva são
os maiores inimigos no caminho espiritual. Portanto eles deveriam ser
cuidadosamente evitados por todos os aspirantes.
Assim, onde quer que haja raiva existe algum
apego, algum desejo excessivo ou afeição. Verdadeiramente falando, sem apego a
alguma pessoa ou coisa jamais poderá surgir qualquer forma de raiva. É apenas
nossa perversa vontade de gozar que traz a raiva. Mas isto deveria ser
compreendido mais num sentido sutil do que de num sentido grosseiro. Não
precisa necessariamente ser qualquer desejo por formas grosseiras de gozo que se
encontra na raiz da raiva.
Algumas pessoas
se tornam agressivas quando praticam renúncia. Isto ocorre porque quando a força
do apego é reduzida, a força da raiva se torna mais forte. Muitos aspirantes
espirituais se tornam facilmente irritáveis nos primeiros estágios de sādhanā.
Esta é uma reação às tentativas frágeis de renúncia que fazem. A renúncia
externa nem sempre é seguida pelo desapego interno. O apego interno entra em
conflito com a renúncia externa e conduz às tensões. A verdadeira renúncia
deve ser a renúncia do apego e da raiva.
Somente quando
começamos a praticar a verdadeira renúncia é que realizamos que tipo de vida
miserável nós estivemos vivendo até então. Também realizamos que é a força
do passado agora o maior obstáculo. Isto leva ao remorso e ao arrependimento.
Deve existir certa quantidade de saudável autocrítica, mas ela nunca deveria
se tornar destrutiva ou terminar em emocionalismo negativo. Não diga, ‘Ó,
que pecador, que criatura desprezível eu sou!’, mas aprenda a dizer, ‘Se eu
cometi erros no passado, já acabou. Que eu saiba que fiz algo errado, mas que não
fique pensando sobre isto. Que eu vire uma nova página e faça melhor no
futuro, que eu seja mais atento no futuro e aprenda a ser um ser humano ao invés
de um animal’. Este é o modo correto. Quer sejamos jovens ou velhos, devemos
todos renascer no mundo do Espírito e começar nossa marcha em direção à
Verdade.
1 Swami Yatiswarananda (1889-1966), foi um discípulo de Swami Brahmananda e Vice-Presidente da Ordem Ramakrishna.
2 Gospel of Sri Ramakrishna, transl. by Swami Nikhilananda (Madras: Sri Ramakrishna Math, 1974), p. 118.
3
Bíblia, São Mateus, 10:37.
4 Brhadaranyaka Upanisad, 2.4.5; 4.5.6
5 Annapurnastotram, verso 12.