O Domínio do Ser 1
Swami Paramananda 2
A
sede pela felicidade é um instinto comum em toda a humanidade; mas nem todos
possuem o segredo de adquiri-la, nem o poder de retê-la quando ela surge. Isto
requer sabedoria e paciência. Talvez por esta razão os grandes homens de todos
os países e épocas enfatizaram tremendamente a vida de autodisciplina e
autocontrole. A autodisciplina nos capacita a organizar e unir todas as nossas
forças fragmentadas. Isto necessariamente aumenta nosso poder para o pensamento
e para a ação. Não é verdade, apesar de parecer ser, que nós temos muitos
fatores isolados em nossa vida. A mesma energia que pulsa através de nosso coração
e cérebro também opera nossas mãos e pés; por isso aprender a acumular e
controlar esta energia inerente, que agora desperdiçamos pela falta de coordenação
e cooperação, significaria o bem mais desejável em nossa vida.
O
autodomínio é um bem muito maior que qualquer bem deste mundo. Se nós não
possuirmos a nós mesmos podemos possuir todas as belas coisas da vida e seremos
incapazes de usá-las para qualquer vantagem. Mais do que isso, nós podemos
inconscientemente derrubar a própria raiz de nossa vida. Sob a influência da
raiva ou de qualquer emoção violenta e descontrolada, uma pessoa pode fazer
algo de que sempre se arrependerá, aquilo que ele sabe que é destrutivo. Se
você perguntar a ele por que fez isso, ele dirá que não pode evitar fazê-lo,
foi feito antes que soubesse disso, por um impulso. Mas por que tal impulso
surgiu afinal? Ele surgiu porque nós construímos o alicerce para ele. Não é
por acaso que caímos sob a influência destes males. Somos nós que tornamos
possível que tais influências prejudiciais surjam; e também está em nosso
alcance torná-las impossíveis.
Se
refletirmos e penetrarmos nas profundezas de nosso ser, jamais deixaremos de
encontrar que cada evento em nossa vida está baseado em uma causa justa. Se um
homem faz algo destrutivo para si mesmo ou para outro, é porque permitiu que o
pensamento destrutivo o dominasse; ele já não é mais ele próprio. Ele pode
estar ao alcance do sucesso, mas se ele perder o domínio de si mesmo, em um
momento poderá fazer algo que significará desfazer tudo o que fez
anteriormente.
Há
uma parábola que um dos grandes místicos da Índia costumava ensinar que
ilustra isto. Um homem estava trabalhando em seu pomar em um dia quente e seco
do verão. Ele estava trazendo água de seu poço e trabalhou duramente por um
longo tempo, mas quando ele foi examinar as árvores ele descobriu que toda a água
tinha desaparecido levada pelos grandes buracos de ratos nos canais de água. O
mesmo acontece conosco. Nós rezamos, meditamos, estudamos, fazemos todas as práticas
que julgamos que nos darão um ímpeto espiritual e ainda assim ficamos
estacionados ou até voltamos para trás. Por que acontece isto? Porque não nos
fortificamos. Um homem pode usar palavras muito elevadas que expressam idéias
morais, mas se a ele faltar o princípio fundamental da vida, se a ele faltar
paciência, autocontrole, capacidade de perdoar, ele explodirá de raiva algum
dia e então todos os seus dogmas e teorias não servirão para nada.
Sem
equilíbrio não podemos esperar ter felicidade. Felicidade é uma qualidade da
mente. É algo que possuímos internamente. Se nós não temos a felicidade
internamente, nada externo poderá dá-la para nós. Se nós a temos
internamente, não importa quais obstáculos são colocados diante de nós, nós
os ultrapassaremos. O filosofo romano Marcus Aurelius coloca isto de forma
bastante firme, “Seja alegre e não busque ajuda externa nem a tranqüilidade
que os outros dão. Um homem deve ficar de pé e não ser mantido de pé por
outros.” Aquele que possui a si mesmo totalmente pode ser confinado em uma
prisão ou pode ser colocado com multidões de pessoas sem o seu temperamento,
ainda assim se manterá equilibrado. Isto é o que todos nós precisamos
aprender a fazer.
A
disciplina da vida é algo maravilhoso. O domínio não é para aqueles que estão
sempre tentando fugir e evitar tudo que é desagradável. Se continuarmos
evitando o que é difícil jamais daremos um passo para frente. É isto que
desperta nossas faculdades internas.
Existem
dois caminhos para lidar com a auto-conquista: podemos nos aproximar dela com o
espírito do auto-esforço ou com o espírito do auto-entrega. Estas parecem ser
duas idéias contrárias; ainda assim encontramos homens santos em completa
posse de si mesmos, com perfeito domínio sobre seus apetites e paixões, que são
inteiramente livres de todo sentido de agressão ou auto-esforço. Eles
entregaram-se tão totalmente ao Supremo que não há mais lugar em seus corações
para qualquer escuridão, nenhuma possibilidade do aparecimento da raiva ou da
maldade. Quando tivermos nos transformado de forma completa, não seremos mais
pessoas calculistas: “Ficarei com raiva ou não? Falarei duro com ele ou irei
me conter?” Estes pensamentos não surgirão porque nossa mente não terá
mais nenhum lugar para eles.
Aquele
que deseja cumprir bem seu papel, que deseja que sua ação seja frutífera,
estudará sua natureza mais profunda. Ele descobrirá ser mais sábio fazer uma
pausa de alguns momentos antes de agir, do que passar seu tempo futuro lutando
para desfazer o que fez em um momento de precipitação ou loucura. Autocontrole
ou autodomínio não é meramente um tema de estudo interessante para estudantes
de religião ou filosofia. É uma necessidade vital em nossas vidas se
desejarmos manter a ordem social ou a harmonia e vida familiar saudável. Nossos
amigos podem lutar para criar condições pacíficas para nós, mas se nossa
mente não estiver em paz, teremos apenas uma satisfação momentânea. Existem
aqueles que jamais estão satisfeitos; eles sempre querem algo diferente. Não
é gratificando nossos desejos que nós atingiremos alguma calma, e sim os
unindo e fazendo-os harmoniosos com nosso propósito mais elevado. Isto não
implica que devemos destruir qualquer desejo que surgir em nossa mente. Seria
como cobrir o fogo com cinzas, - o fogo ainda estaria intacto. Nós não nos
libertaremos de nossas baixas tendências por este método, e sim adquirindo
maior conhecimento, conseguindo maior unidade dentro de nós mesmos.
Quando
nosso pensamento, mente e coração, - quando todo o nosso ser estiver focado em
absoluta união, então descobriremos os ideais elevados surgindo dentro de nós
espontaneamente; então as coisas que pertencem aos níveis inferiores não mais
nos tocarão. Será deste modo que venceremos e não de forma calculista.
Espiritualidade não é uma questão de cálculo nem é uma questão de
doutrinas, palavras ou teorias. É algo que desenvolvemos dentro de nós e após
este desenvolvimento outros se beneficiam dele. É claro que somos os primeiros
a nos beneficiar, pois nossa vida se transforma. Nós somos os mesmos e ao mesmo
tempo nós não somos os mesmos. Temos as mesmas mãos e pés, mas eles estão
disponíveis para um melhor uso; temos as mesmas mentes e corações, mas eles
estão cheios de idéias e ideais mais elevados.
O
único modo de levantarmos, o único modo que podemos elevar outros seres
humanos é atingir um nível de consciência mais elevado. Se temos um padrão
mais nobre de vida, se possuímos autocontrole, se somos mestres de nós mesmos,
não precisamos mostrar isto em palavras. Tudo que está vivo ao redor de nós
– filhos, irmãos, irmãs, amigos, - se beneficiarão pelo que somos. Eles
podem ficar impacientes conosco, intolerantes por sermos diferentes deles, mas
se nos seguramos firmes em nossos ideais eles virão a nós nos momentos de
necessidade. Em tempo de calamidade, raiva, impaciência, ou grande sofrimento,
aquele que não é molestado por estas coisas, torna-se como uma rocha; os
outros se ligarão a ele e terão seu conforto.
Isto
significa que para ganhar autodomínio temos que ser insensíveis como um bloco
de madeira ou uma pedra? Não devemos confundir estas idéias. Pessoas insensíveis
são geralmente egoístas. O
autodomínio não é para elas, ou para a pessoa que é dura e rude, e sim para
ele cuja consciência se expandiu, que ao invés de se envolver completamente
com os pequenos sentimentos egoístas, subitamente chega a possuir outra parte
de sua vida. Ele é infundido com divino poder e naturalmente não é mais capaz
de
fazer qualquer coisa que é baixa ou ignóbil. Estas grandes características não
chegam por acidente; elas são o resultado do nosso pensar e viver.
Não existe carência de altos ideais. Mesmo do ponto de vista da auto-preservação, da felicidade pessoal, devemos cultivar o domínio do ser, pois nele está o segredo de toda força e realização. Os mesmos esforços que estamos fazendo agora nos trarão o mais elevado. Tudo que é necessário é direção e esforço correto. Isto é o que autodomínio significa. O domínio do ser nos dá tal sabedoria que podemos sempre em todas as circunstâncias depender de nossa própria força interna.
2 Swami Paramananda (1884-1940) foi um discípulo de Swami Vivekananda e um dos pioneiros da Vedanta nos Estados Unidos.