Espiritualidade na Vida Cotidiana

Swami Nirmalatmananda

Responsável da Ordem Ramakrishna, Belur Math – Índia,  pela propagação do movimento Ramakrishna Vedanta no Brasil - Diretor Espiritual do Centro Ramakrishna Vedanta Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 14 de maio de 2004

 

Uma vida orientada à espiritualidade

Façamos uma pequena meditação orientada, o que também participará do processo de tornar a sua vida cotidiana orientada à espiritualidade. Cada vez que vocês se sentarem para a meditação ou qualquer outro tipo de prática espiritual, tentem fazê-lo o mais perfeitamente possível. Como fazer isso? Colocando todo o seu coração. Não é dizendo “tenho que fazer”, não, esta não é a atitude. “Eu gosto de fazer porque é algo que me faz bem”. Sempre que você disser à sua mente: “isso vai ser bom para a minha vida,” a mente  tenderá aceitar o que você está dizendo. Por isso é dito  para que se faça isso com todo o seu coração e com toda a sua alma.

 

Na medida do possível, sentem-se numa posição ereta, de maneira que não haja nenhuma tensão, nenhuma contração em parte alguma do corpo. Sinta-se confortável, o que não significa que se possa deitar; essa não é a idéia. Mantenha seus pés bem colocados no chão. Se você apoiar seu peso nos calcanhares ou nos dedos dos pés, estará havendo uma tensão nesses pontos do corpo. Portanto sinta o chão. Assim estará sentindo a sua força, a sua firmeza. Mesmo quando se sentar com as pernas cruzadas, faça-o sem tensão. Muitas vezes as pessoas se sentam nestas posturas, contorcidas, reclinadas para frente, para atrás ou para os lados. Parece que alguma coisa vai acontecer. Todos estes modos implicam numa postura física que vai acabar tornado sua meditação mais difícil.

 

A idéia de meditação como prática espiritual é a seguinte: Transportar-se para além da consciência corpórea. Mas ao assumir uma posição tensa, você ficará já desde o início muito ligado ao corpo físico. Portanto ao se sentar para meditar, sente-se numa posição confortável, de maneira que possa com facilidade se transportar para o interior da mente.

 

No que quer que você faça, a sua postura é indicadora da sua atitude mental, é seu reflexo. Imagine que você esteja fazendo sua prática espiritual com energia e entusiasmo. Sua postura, sua atitude, tudo isso vai demonstrar o seu entusiasmo. Nós já temos problemas demais na vida cotidiana. Não inclua a sua vida espiritual na vida cotidiana como mais um problema. Esta não é uma boa idéia. A prática espiritual, deveria ser um meio de se compreender como elaborar uma forma de libertação dos problemas cotidianos. 

 

Se a prática espiritual não for enfocada de uma maneira correta e adequada, mais um problema estará sendo acrescentado. Muitas pessoas reclamam dizendo que não têm tempo para fazer a prática espiritual; ou que estão praticando, porém sem resultados.  Seja lá o que se queira fazer, devemos fazê-lo da maneira correta. Portanto sinta o chão, feche os olhos, inspire profundamente pelo nariz, e então expire completamente pela boca, devagar. Faça isso umas cinco vezes.


 

Uma Oração

Agora faça mentalmente uma oração, para que o seu próprio desenvolvimento espiritual avance, e para o bem estar de todos os seres viventes. Imagine com bastante força em sua mente, as ondas da sua oração sendo uma manifestação do Senhor, alcançando cada canto do horizonte. Tente tornar-se consciente da totalidade. Continue mantendo esta consciência da totalidade. Repita com clareza um Nome Sagrado, com toda sua alma e coração repita este nome. O que quer que faça, faça com amor. Ore assim:

 

Ó Senhor Supremo, que sois a personificação do Conhecimento e da Força, preenchei nosso coração e nossa alma com vigor, sabedoria e felicidade. Concedei-nos a força para trabalhar de maneira a superar todas as dificuldades da vida. Permanecei conosco hoje e por todos os outros dias, em cada instante de nossas vidas e especialmente quando chegar nosso último momento nesse mundo.

 

Om, Om, Om

 

A Contínua Batalha

Existem muitas explicações para a vida. Uma das explicações mais comuns é que a vida é uma luta contínua. Seja você um estudante, seja um chefe de família, seja um trabalhador, ou um aposentado. A vida é uma luta contínua.

 

Temos muitos sonhos e tentamos realizá-los. As vezes realizamos estes sonhos, porém na maioria delas quase sempre aquilo que realizamos não permanece conosco; por exemplo, alimentamos a idéia de ter muitas coisas, tentamos obter algumas delas, e aquilo que conseguimos muitas vezes não permanece; o que permanece não é desfrutado; o que desfrutamos, não vai permanecer assim para sempre, pois está constantemente mudando. Mesmo que consigamos alguma felicidade, ela não ficará conosco por muito tempo. E se juntarmos todas estas questões poderemos tentar descobrir onde está a felicidade. Depois de uma série de experiências, chega-se  à vida espiritual. E nela mais uma vez se começa a luta. 

 

O que acontece é que muitos iniciam a batalha, e depois de algum tempo acham que é muito difícil, então começam a dizer que não têm tempo para a prática espiritual, que tantas outras coisas precisam ser feitas, perdem o interesse  por alguma razão. E para estas pessoas uma dos maiores problemas é o seguinte: Visualizam a vida espiritual como algo inteiramente diferente da vida cotidiana, como se ambas fossem separadas. Essa não é a maneira ideal de se olhar para esta questão.

 

Ação e Fadiga

Não negamos que exista a vida espiritual, bem como as atividades seculares, esta distinção. O certo é que temos de agir, desde o início da manhã até o final da noite, o tempo todo, de uma ou de outra forma. Você não pode simplesmente ficar sentado sem fazer nada. Nenhuma graça vai ser concedida a você dessa maneira. Não é possível. Pelo menos por enquanto. E portanto o seu pensamento é: ‘Já tenho tanta luta para enfrentar, não vou encarar mais uma batalha com a vida espiritual. Estou chegando do trabalho, fico muito cansado, não me sinto sequer capaz de me sentar, não tenho vontade de fazer nada nesse momento.’ Todos nós temos esse tipo de sentimento. Não é essa uma experiência que todos conhecemos? Com essa postura mental, mesmo que você tente, não conseguirá fazer uma prática espiritual. Dessa maneira, o que lhe restará é ir dormir. Não terá muita energia, nem entusiasmo. E aí, no dia seguinte, você acordará muito cansado. Muitas pessoas acordam assim, se sentindo muito cansadas. Dormiram a noite inteira, mas ao se levantarem dizem que estão muito cansadas. Conheço pessoas que saíram de férias por quinze dias, talvez para Europa, Paris; e aí quando regressaram, a primeira coisa que disseram é que estavam muito cansadas. Não foi por causa da viagem. Mas a postura geral da pessoa é de muito cansaço. Por que isto acontece? Você passou quinze dias fora, de férias, o objetivo da sua viagem era descansar, se sentir bem, mas você volta e diz que está muito cansado, que precisa tirar mais uns dois ou três dias de folga. Há algo de errado nesta história. As pessoas vão à praça, ao parque para caminhar, correr. Conheço uma pessoa, uma senhora que queria caminhar comigo, aí começamos uma caminhada. E ela falou de todos os problemas da sua vida e, pouco a pouco, com o passar do tempo, depois de 10, 20 ou 30 minutos, ela não podia mais andar, eu percebia o tempo todo o que estava acontecendo e lhe disse, ‘você veio ao parque com a intenção de fazer uma caminhada, e não de ficar pensando novamente nos mesmos problemas como de costume; para você isto está sendo uma perda de tempo. Onde quer que vá, a mente lhe acompanhará, mas se não há concentração no que se está fazendo, se não se gosta do que se está fazendo, nenhum benefício será retirado desta atividade.’ A maioria das pessoas faz o que não gosta, mas faz mesmo assim. Não é verdade? Sentem que têm que fazer isto ou aquilo. Como se um peso enorme estivesse sobre seus ombros, forçando-as a agir dessa forma. Mas com este tipo de atitude não se alcançará resultados favoráveis. Você tem que mudar de atitude. ‘Eu gosto de caminhar’ e não ‘eu tenho que caminhar’. Se você fala: ‘Eu tenho que meditar porque Swami falou, porque as pessoas falam para eu fazê-lo, mas eu não tenho energia’ etc., com esse tipo de atitude não se ganha nada. A postura deve ser: ‘eu gosto de fazê-lo, gosto de meditar, gosto de ler, gosto de levar uma vida espiritual,’ você vai ganhar a energia necessária para prosseguir.

 

Atitude Correta

A atitude é muito importante, a atitude correta, não só na vida espiritual, seja na música, numa caminhada, qualquer outra atividade, você tem que ter a atitude correta. É a atitude que lhe fornece a energia, que lhe traz o entusiasmo, que lhe dá o impulso de fazer mais. Todas as grandes coisas começam sempre de uma maneira pequenina. Existe um número muito grande de obras filantrópicas em andamento, sendo tocadas por várias pessoas, por várias instituições, todas elas iniciadas de uma maneira muito pequena. Como? Existe um segredo? O segredo é a atitude correta. Se você tiver que trabalhar todos os dias, pelo dia inteiro, faça isso com a atitude correta. Considero este, um dos pontos mais importantes em nossa vida cotidiana. Portanto com a atitude correta ao se enfocar a vida espiritual, ela vai lhe proporcionar bem mais do que você espera.

 

Para dar um exemplo recente de algo que aconteceu comigo: Eu havia planejado ir à Venezuela, por uns dez ou quinze dias. Nesta época havia uma série de greves em diversos setores na capital Caracas. Todos os devotos me aconselharam, ‘não Swami, não vá, o momento é desfavorável, todo dia há um tumulto em Caracas, não sabemos o que poderá acontecer...’ Esta era o tipo de atitude. Eu acabei sentindo que seria melhor concordar, talvez houvesse algum sentido nisso. E, como se não bastasse, ainda houve a greve da Polícia Federal no Brasil. Uma grande greve. O vôo saía às dezesseis horas, tive que ir para o aeroporto às dez da manhã, permanecendo na fila por três horas. E aí me perguntei que tipo de viagem era aquela. Comecei então a me sentir cada vez menos e menos entusiasmado, centenas de pessoas esperando para passar pela inspeção da segurança. Eu estava lendo um livro, em pé na fila. O tempo médio para se chegar ao ponto de inspeção era de três horas. Claro que comecei a ficar um pouco desapontado. Mas a medida em que a fila andava, chegou um ponto, em que fechei o livro, cerrei os olhos, e fiz o que se poderia chamar de uma meditação de um minuto, de onde voltei com uma atitude completamente diferente. A primeira coisa que fiz foi dizer para mim mesmo, eu vou gostar dessa viagem. Há centenas de pessoas me esperando, essa programação já está feita. Estas pessoas de diversas cidades também fizeram suas programações, isso tudo é uma obra de Thakur. O que estou indo fazer é uma pequena parte desse processo, da maneira como Ele ordenou. Eu gosto de fazer isso. Essa luta faz parte do processo. E pensar dessa maneira mudou meu sistema. Naquele momento descobri que havia uma senhora de Caracas que veio visitar o Brasil, e estava regressando para a Venezuela. Comecei a conversar com ela, e pedi que me falasse à respeito de Caracas. Mas ela começou a me relatar todos os problemas por que passava em Caracas. E aí pensei, ‘acho que fiz a ligação errada’, então me virei para o outro lado e vi uma jovem que ia viajar. Normalmente os jovens têm um ideal de mudança. Ao começar a conversar com ela, notei que havia alguma vida, e depois de alguns minutos, comecei a esquecer todas aquelas coisas que estavam pesando sobre meus ombros. Vocês não imaginam, mas por um momento, estive quase a ponto de cancelar a viagem. Mas no final das contas, o que aconteceu? Com essa mudança de atitude comecei a observar como as pessoas mostravam em seus semblantes o como era difícil enfrentar a fila, não se podia sair da fila sequer para comer alguma coisa, tanta dificuldade. Mas a medida em que fui mudando minha atitude, tudo mudou, senti-me completamente renovado. Comecei a me perceber mais e mais entusiasmado. O passar das horas já não me incomodava tanto. ‘Tudo bem, quando esta fila andar avançarei um pouco mais.’ Até que chegou o momento em que entrei no departamento, pude comer alguma coisa, conversar com outras pessoas.

Então fiz uma viagem de seis horas. Vocês não são capazes de imaginar, que uma história iniciada dessa maneira acabaria se transformando numa viagem excelente. E comecei a pensar como seria maravilhoso passar aqueles dez dias divulgando a mensagem da Vedanta. Um dos tópicos da minha palestra na Universidade de Los Andes, em Mérida situada a uma hora e meia ao sul de Caracas, era Globalização, Belicismo e a Perspectiva da Vedanta. Eu nunca havia falado a esse respeito, não estava sequer preparado para o tema, mas como havia chegado com uma atitude modificada, e durante o vôo reunira vários e vários itens, consegui fazer dessa viagem uma viagem maravilhosa.

Então o ponto em questão é: como a sua mudança de atitude pode lhe apontar uma nova direção? Dependendo da sua atitude, já é possível  perceber se haverá um bom resultado, ou um resultado morno.  Na vida espiritual ou no trabalho cotidiano, tente manter a atitude correta. Esse princípio pode ser aplicado em qualquer setor da vida.

 

Espiritualizar o Cotidiano

Até uma coisa muito pequena, quase insignificante, pode ser enfocada numa perspectiva espiritual. Darei um exemplo: Havia um monge que trabalhou comigo, ele continua lá em nosso mosteiro matriz. Cada vez que recebia uma correspondência, a primeira coisa que fazia era oferecê-la aos pés de uma imagem da Divindade. E só então abria o envelope para ler a carta. E o mesmo fazia quando ia enviar a carta resposta, colocando-a aos pés da Divindade, antes de remetê-la. A idéia é muito simples, mas este homem aprendeu a espiritualizar uma pequena parte do seu cotidiano. Podemos também fazer isto com o nosso trabalho cotidiano. De qualquer maneira o trabalho terá que ser feito, mas você pode estabelecer um elo entre o que está fazendo e a divindade. Muita gente sabe disso, lê a esse respeito, mas depois acaba esquecendo. Esse esquecimento se torna um grande problema. Mas se esse ponto for relembrado, pode-se estar cozinhando, correndo no parque, dirigindo, fazendo uma prova, etc., um elo com o divino é criado, e a pessoa faz de si mesma um instrumento em suas mãos. Estará divinizando a si mesma. Pouco a pouco, sua mente vai-se acostumando com as ondas da divindade, e de forma gradativa, mente e coração vão se tornando mais e mais unidos. Novos hábitos são criados e automaticamente se percebe que qualquer tipo de atividade possui uma corrente subjacente de divindade.

Na Índia cada vez que alguém começa a escrever, a primeira coisa que faz é colocar o símbolo AUM. Na tradição cristã, quem sabe, se faz uso do símbolo da cruz. Parece algo muito simples. Mas o significado desse hábito é estabelecer um elo permanente com a divindade que se está tentando alcançar. Assim, por exemplo, se estamos cozinhando podemos pensar por um minuto, ‘estou cozinhando esse alimento para que ele seja oferecido a Deus.’ À hora das nossas refeições, costumamos fazer um cântico. Não se trata meramente de um ritual, o que ocorre é que essa atitude espiritualiza o que estamos prestes a fazer. Não se come simplesmente pelo ato de comer.  Estamos nos lembrando da Divindade, e antes de mais nada oferecemo-lhe o alimento, de forma que o Divino participe dessa oferenda. Isso significa que você não estará ingerindo o alimento só para você. Há uma diferença entre os seres humanos e subumanos, que quando vão tomar seu alimento simplesmente pegam a comida sem pensarem. Mas existem alguns animais que não fazem assim. O javalis, quando tomam seu alimento,  não comem imediatamente. Eles emitem um som para chamar os demais de sua vara. E só quando todos estão juntos, eles comem. Vocês sabiam disso? Na Índia existe essa prática: As donas de casa preparam a comida, oferecem às pessoas, para os membros da família, e o chefe da família pega uma pequena porção de arroz que é então oferecida aos ancestrais e à Divindade, colocando esse bocado de lado. A esposa pega a porção reservada levando-a para fora da casa, pronunciando ‘Káh, Káh, Káh’, que é um som semelhante ao emitido por uma espécie de corvo que habita a redondeza. E assim fazendo, logo chega um pássaro para se alimentar, que emite o mesmo som para chamar outro, que chama a outro ainda, até que o bando todo chega, e aí sim começam a comer. Quando estão comendo, essas aves emitem uma série de sons que ao serem ouvidos, indicam ao chefe da família que ele pode começar sua refeição. Podemos perceber quanto significado existe atrás de um ato tão simples: a lembrança dos ancestrais: o pai, o avô, o pai do avô, todos os antepassados. E através dos pássaros que vêm comer o alimento dá-se a espiritualização, a recordação e a divinização do ato de comer. Portanto se estamos dispostos a agir por todo o dia, devemos pensar no que podemos fazer para divinizar todas as nossas ações dedicando um pequeno pensamento ao divino.

 

Ser um instrumento divino

Tenhamos um pensamento, mesmo que rapidamente, capaz de nos ligar ao divino antes de começarmos qualquer atividade. E quando da sua conclusão, lembremo-nos mais uma vez da divindade. Lembremos no início, lembremos no final, e ao fazer assim, gradualmente desenvolveremos um hábito, perceberemos que mesmo durante a execução da ação, a divindade estará sendo recordada. Chegará um momento em que você se perguntará, quem é que está agindo? ‘Serei eu, ou será um poder maior, que se manifesta e age através de mim?’ Você começa com a atitude de quem pensa, ‘eu sou aquele que faz’, e gradualmente através da prática, a sua atitude mudará e você perceberá: ‘há uma outra força atuando através de mim.’ Para executar uma ação adequadamente, existem muitos fatores necessários. Imagine que você queira escrever uma carta. Será necessário um computador, tinta, envelope, papel, etc. Somente com todos esses itens uma boa carta poderá ser escrita. Mas quando a carta é concluída,  você reivindica todo o mérito para si mesmo. Se o computador pudesse falar, ele diria: ‘e a minha parte nessa história?’ Portanto se analisarmos corretamente, muitos fatores colaboraram para a obtenção do melhor desempenho possível. E se houver a atitude correta, isso será lembrado, bem como o mais importante: que existe uma força agindo por seu intermédio. Chegará à compreensão de que você não é aquele que faz, mas um instrumento através do qual aquilo é feito. E quando se desenvolve esta atitude, de ser um instrumento nas mãos do Senhor, é sinal de que houve um avanço na vida espiritual. Posso afirmar com cem por cento de garantia, que quando se alcança realmente esse nível, de compreender corpo e mente como instrumentos, é que se estará realmente no caminho da vida espiritual. Esse resultado é alcançado depois de uma sucessão de tentativas em se executar as ações de maneira adequada.

 

Enfocar problemas como desafios

Para os aspirantes espirituais existe um ponto muito importante: todos os dias e em todos os lugares, encontramos dificuldades na vida espiritual. Já fiz experimentos a esse respeito com algumas pessoas. Experimentei esse tipo de enfoque. E as pessoas sempre reclamam: ‘tenho muitos problemas durante o dia, trabalho até a noite, são muitos problemas e não tenho energia para superá-los, o que posso fazer?’ Pensei então em como podemos mudar esse tipo de atitude. Eu mesmo tomei uma atitude. Suponha que você veja as coisas da seguinte maneira: ‘isso não é um problema, é um desafio.’ Só com esse tipo de atitude haverá uma mudança imediata. Existe algo que está desafiando uma parte do seu ser,  que está lhe demandando alguma energia, expondo algum tipo de dificuldade. E o que acontece é que esse  desafio quer aflorar algum tipo de força existente em seu interior. Espera-se que você supere aquele problema, mas falta-lhe a energia necessária. O problema apresentado implica num desafio, e aí então há o despertar de uma reação da sua parte. ‘Estou sendo desafiado, vejamos como vou resolver este problema. E se minha primeira tentativa não der resultado, tentarei de outra forma, e se essa também não funcionar partirei para uma terceira maneira.’ Imaginemos que nada funcione, o que você faz? Você vai parar? Muitas pessoas dizem que tentaram todas as possibilidades. Suponha que você chegou ao ponto de ter tentado tudo e não ter conseguido. Nunca ponha um ponto final no seu esforço. Eu também passei por isso. Havia tentado várias soluções para um problema. E aí fui conversar com uma pessoa que já havia conseguido superar este problema, já tinha passado por ele. Então lhe perguntei sobre como havia feito. ‘Será que você pode me dar uma dica?’ Não há nada de errado em se pedir ajuda. Portanto jamais existirá um limite para seus esforços. Se você puder se lembrar da divindade, mesmo que por um pequeno lapso de tempo, enquanto faz o esforço, cada vez mais força será obtida para realizar o que deve ser feito. Imagine que uma criança de colo esteja tentando andar. E aí ela cai, e novamente se levanta,  caindo mais uma vez. Acaso passará pela cabeça dos pais colocarem um limite às tentativas de andar da criança. Por acaso os pais falam para a criança? ‘Tente andar por dois meses, se você não conseguir pare.’ Isto não se diz. Por que então não aplicar a mesma fórmula no seu próprio caso. Lembre-se desse ponto.

 
Reclamar significa não tentar

O que não faz sentido é continuar reclamando. Reclamar significa que você não tentou o suficiente, isso é que significa reclamar. Você não impõe um limite ao aprendizado de uma criança. Aplique a mesma formulação ao seu cotidiano. Existem muitas maneiras de se fazer as coisas, e muitas maneiras de se vincular o que está sendo feito à divindade. Fazer esse vínculo entre o que se está fazendo e a divindade é semelhante a se colocar um pouquinho de mel no alimento, basta um pouquinho de mel para adoçar todo alimento, seja qual for sua natureza – azeda, salgada, doce – ficará mais doce, tal é o efeito de umas gotas de mel. Portanto quando nos lembramos da divindade, seja um ideal, um nome, uma forma, ou sem nome ou forma -  qualquer coisa que faça aflorar o melhor que existe em você -  você desperta o que há de melhor em si mesmo. O responsável por esse florescimento é a ligação estabelecida com o que é divino.

 

Mantenha-se preparado

Tente com criatividade. Divinize as suas ações, as coisas pequenas e as coisas grandes. E aí  verificará que a prática espiritual se tornou muito fácil. Ao se sentar para meditar,  perceberá que a mente se tornou meditativa com facilidade. Se quiser meditar bem à noite, não poderá andar de qualquer maneira durante o dia, a meditação não vai acontecer. Um preparo deve ser feito. Aquele pequeno vínculo que se estabelece de vez em quando, que foi estabelecido durante o dia, prepara-lhe muito bem para a meditação noturna. O mesmo se dá para se conseguir uma boa meditação pela manhã.

Cada vez que você se coloca na posição de estar fazendo alguma coisa, e se conscientiza de que aquele que as faz é o Senhor, e a postura de ser um instrumento nas mãos Dele é assumida, verá que tudo muda. Provem isso para vocês mesmos, experimentando a partir de pequenas coisas. A questão é mudar a atitude. A atitude existente até então não tem produzido resultado, portanto mude essa atitude. Tente encarar os fatos de uma maneira diferente. Pergunte a outros como conseguiram. Nada se perde em pedir ajuda.

 

Conclusão

Creio que essas poucas idéias sejam suficientes. Ponham-nas em prática e verifiquem como a sua vida espiritual vai mudar. Imagine que você esteja se levantando pela manhã, o que acontece normalmente é que você se levanta, dá bom dia às pessoas próximas, um beijo, isso é normal. Mas amanhã, acrescente um novo ingrediente: lembre-se do seu ideal espiritual, mesmo que seja por alguns segundos, e antes de começar a fazer qualquer coisa, faça uma saudação a este ideal. E uma diferença poderá ser notada. Faça o mesmo ao se deitar para dormir. Muitas pessoas vão para a cama com o coração pesado, cheio de pedras, isso acontece. Como torná-lo leve? Faça a si mesmo essa pergunta: ‘Como posso torná-lo leve?’. Faça perguntas inteligentes e obterá respostas inteligentes, pois o processo de pensar se tornou criativo. Então como posso me sentir mais leve na hora de dormir? Eu não vou responder a vocês, não contarei meu segredo. Respondam vocês mesmos e o segredo também será de vocês. Não faça as mesmas coisas sempre da mesma maneira esperando um resultado diferente, pois nada vai acontecer. Agir assim é uma loucura. Por exemplo: Suponha que uma abelha tenha entrado aqui na sala pela janela, que mais tarde é fechada. O inseto quer voltar para o exterior, vê a luz e tenta sair, mas bate no vidro, vindo a cair no chão. E tenta esta saída exaustivamente, bater no vidro e cair. É o que fazemos conosco. Se me perguntarem o que é a loucura, uma resposta possível seria: ‘fazer sempre o mesmo esperando um resultado diferente’. É algo que não leva a um resultado favorável. Portanto temos que olhar para as coisas de uma maneira nova, às vezes de uma maneira muito criativa.

Pudemos hoje recolher muitas idéias aqui. Se vocês forem suficientemente espertos para colocarem algumas delas em prática,  obterão resultados surpreendentes. Essas são algumas idéias novas, poucas, porém suficientes.

 

 

 

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