Alguns versos do Astavakra Samhita - I
Capítulo
X
Quietude
Comentários
de Swami Nityaswarupananda (*)
Astavakra disse:
1.
Cultive a indiferença por tudo, tendo abandonado Kama (desejo) que é o
inimigo1, artha (prosperidade
mundana) que2 é acompanhada pelo
sofrimento, e dharma3 (execução de
boas ações) que é a causa destes dois.
1
Inimigo - Pois o desejo pelo gozo sensual [dos sentidos]
obstrui a realização do Conhecimento e nos prende ao mundo.
2
Que, etc. – Pois a aquisição e
preservação da riqueza leva à hábitos mentais que são daninhos à nossa
natureza superior.
3
Dharma, etc. – Dharma aqui
significa boas ações, seculares e religiosas. Executando boas ações ganhamos
méritos que nos conferem prosperidade mundana e também gozo sensual.
Dharma, artha e kama são as três
metas da existência do homem comum. Mas para atingir moksa, liberação, que é o summum
bonum da vida deve-se renunciar a estas três metas. O Absoluto jamais poderá
ser atingido enquanto houver o menor traço de desejo. E sem desejo todas as três
metas não têm significado. Daí a necessidade de renunciá-las, para que
nossos olhos possam se abrir para o Supremo Ser.
2.
Considere os amigos, terras, riqueza, casas, esposas, presentes e outras
marcas de boa sorte, como um sonho ou como1
a apresentação de um malabarista, que só dura alguns dias.
1
Como, etc.
– irreal e transitório.
3.
Saiba que onde quer que1
exista o desejo existe o mundo. Aplicando-se ao firme2
desapego, vá além do desejo e seja feliz.
1
Onde quer que, etc.
– Pois o desejo pelo gozo sensual leva ao homem à várias ações e o prende
ao mundo para o gozo de seus frutos.
2
Firme, etc. –
Indica
uma atitude de absoluto desapego pelos objetos de gozo.
4.
A escravidão consiste apenas no desejo e se afirma que a destruição do
desejo é a liberação. Somente pelo desapego ao mundo se atinge a felicidade
constante da realização do Ser.
5.
Tu és UM, Pura Inteligência. O universo é não-inteligente1
e irreal. A ignorância também não é uma entidade real. O que
ainda você pode desejar conhecer?
O
que está sendo enfatizado aqui é que mesmo o desejo de conhecer deve ser
renunciado. Nós não devemos desejar conhecer aquilo que não é real. O Ser
apenas é real, e devemos conhecer o Ser como nossa verdadeira natureza,
enquanto que o mundo aparente e a ignorância que faz com que o aceitemos como
real, não são realmente existentes. Por isso não existe nada mais para
conhecer senão o Ser. Daí mesmo o desejo de conhecer deve ser
renunciado.
1
Não-inteligente, etc.
– O princípio consciente na natureza é o reflexo do Ser. Toda a consciência
é a consciência do Ser; todo não-ser é portanto não-inteligente.
6.
Reinos, filhos, esposas, corpos e prazeres têm sido perdidos por você
vida após vida, mesmo você sendo apegado a eles.
Este
verso dá uma razão baseada no bom-senso do por que devemos recorrer à renúncia.
Tal é a natureza transitória das coisas mundanas que mesmo que nós as amemos
fortemente, não podemos retê-las conosco por muito tempo. Nós as perdemos e
assim elas nos causam sofrimento. Este processo tem sido repetido vida após
vida. Então, qual a utilidade de sermos apegados a estas coisas?
7.
Chega de prosperidade, desejos e ações piedosas. A mente não encontrou
repouso nestas coisas na sombria e triste floresta do mundo.
Astavakra
novamente afirma como são sem valor os ideais de dharma,
artha e kama, e enfatiza moksa.
Veja o verso 1 deste capítulo.
8.
Por quantas vidas você executou ações difíceis e dolorosas com o
corpo, com a mente e com a fala! Por isso cesse ao menos hoje.
Nós
temos nossos corpos e experiências atuais como resultado de nossas ações em
encarnações passadas. Este processo continuará enquanto agirmos na ignorância,
e iremos de vida após vida. Para escapar do sofrimento para sempre, devemos
cessar a atividade mundana.
Astavakra
indica que nossas ações passadas, impondo tanto trabalho e sofrimento, não
nos deram a felicidade duradoura. Por que devemos então continuar com estas ações
mundanas que nascem da ignorância e causam escravidão e sofrimento?
* Swami Nityaswarupananda (1899-1992), estabeleceu o Ramakrishna Mission's Institute of Culture em 1938.